Segunda-feira, 30 de Maio de 2011

deveres do administardor judicial vs fisco

Na sequência de uma carta/ circular remetida pela DF Aveiro a vários adminsitradores judiciais, à qual o signatário já respondeu (vg post anterior), e teve resposta, também o nosso colega Inácio Peres o fez.

a sua resposta é de tal modo acertiva que não resisti a solicitar-lhe autorização, que anuiu, para aqui a publicitar.

Espera que possa contribuir para tornar a APAJ e os AJ's mais resilientes na abordagem deste tipo de problemas.

LG

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" À direcção de finanças de ...

 

CARTA REGISTADA

ASSUNTO: Obrigações do Administrador da Insolvência

V/ Ref.: Ofício n.º 0000, de 13.05.2011

A,, 24 de Maio de 2011

Ex.mo Sr. Director da Direcção de Finanças de...,

Ex.mo Chefe de Divisão

Pela presente acuso recepção do v/ ofício em epígrafe identificado, o qual me mereceu a melhor atenção.

Em resposta ao mesmo, sou a informar V.ª Ex.ª do seguinte:

Os Administradores da Insolvência encontram-se defrontados com sistemáticas dificuldades no cumprimento das obrigações perante a máquina fiscal designadamente,

  • encontra obstáculos na apresentação da declaração de alterações e
  • na apresentação da declaração de Cessação de Actividade em IVA e IRC;
  • Bem como vêem-lhes assacadas responsabilidades que não têm, em função da Circular n.º 1/2010, de 02 de Fevereiro [1] a qual se resume à exigência aos Administradores, em função do entendimento de que se mantém a personalidade tributária da massa para além da declaração da falência ou da insolvência, de que são estes os responsáveis pela manutenção das obrigações tributárias ao nível do IVA e do IRC, designadamente, entregando as declarações modelo 22 IRC e IES, pagando os impostos resultantes de tais declarações, indicando TOC para o efeito, apresentando declarações de ALTERAÇÕES em IVA e IRC com a menção de que a empresa falida/insolvente se encontra “em liquidação”.

No entanto, o maior agravo que à actividade se prefigura são os sucessivos entendimentos obtusos da máquina fiscal de que as obrigações declarativas e tributárias passam do gerente ou administrador das insolventes para os Administradores da Insolvência, errónea percepção da responsabilidade subsidiária que provocou já os primeiros sinais de reversões fiscais de dívidas das falidas ou insolventes sobre os respectivos Administradores.

Tal só sucede porque a Administração Fiscal realiza obsessivamente um notável erro na percepção das obrigações e deveres dos Administradores, alavancada na inadequação das leis tributárias, mormente, a substantiva Lei Geral Tributária e o adjectivo Código do Procedimento e de Processo Tributário às realidades trazidas pelo CPEREF e pelo CIRE, quando é o próprio Código das Sociedades Comerciais que estabelece a impossibilidade de aplicação do regime deste código ao processo de falência ou de insolvência [2].

Isto é: a personalidade jurídica da sociedade em liquidação prevista no art.º 146.º do Código das Sociedades Comerciais estabelece um LIMITE para a aplicação dos processos especiais em que tal personalidade possa ter de ser conformada a tais processos como é o caso do CPEREF e o CIRE [3].

Tudo isto para significar que a figura do liquidatário social do Código das Sociedades Comerciais não pode ser transposta para a acção e conformação da actividade dos Administradores, atenta a distinção entre o regime de nomeação do Código das Sociedades Comerciais e o regime de nomeação, quer do CPEREF, quer do CIRE [4].

Os deveres e obrigações do liquidatário social do Código das Sociedades Comerciais não se confundem com a figura do Administrador da Insolvência [5],  tal como o sistema de liquidação / sanação de dívidas da liquidação social prevista no Código das Sociedades Comerciais não se confunde com as regras do CPEREF entretanto concretizadas no CIRE [6].

 

A partir da conjugação do disposto nos art.ºs 1.º e 46.º, n.º 1 do CIRE a massa insolvente administrada pelo Administrador deve fazer reverter o produto da liquidação em condições especificamente definidas no diploma especial que rege a insolvência para todos os credores e tal obrigação compreende não só o que é apreendido mas igualmente TUDO QUANTO SURJA, EM TERMOS DE BENS E DIREITOS, NA PENDÊNCIA DO PROCESSO, seja a título do produto da actividade da empresa insolvente se o estabelecimento se mantiver aberto, seja a título do produto da liquidação do já apreendido.

Assim sendo, não há lugar à satisfação de obrigações declarativas e tributárias decorridas neste período já que tal acarretaria o benefício do credor ESTADO em detrimento dos restantes (o qual só é admissível nos termos previstos na lei especial – CIRE – v.g. contribuições da Segurança Social ou impostos dos últimos 12 meses antes da declaração da insolvência), quando se sabe que se encontram já salvaguardados no CIRE alguns privilégios creditórios do Estado.

Tentar a Administração Fiscal obter dividendos de tributação e, no rateio/distribuição do produto da liquidação, ainda obter pagamentos preferenciais constituiria um duplo ónus que recairia sobre os restantes credores em benefício apenas de uma entidade.

Por outro lado, os Administradores da Insolvência não se encontram elencados no conjunto de devedores solidários ou em regime de substituição (subsidiários) que possam ser abarcados pelo instituto da reversão de dívidas fiscais [7], na medida em que têm a sua obrigação declarativa expressamente conformada no Código do Processo e Procedimento Tributário, nada mais lhe sendo exigível em termos de responsabilidade processual perante o Fisco [8] e na medida em que a norma ao lado transcrita define claramente quais são os “…deveres tributários do liquidatário judicial da falência.”.

É manifesto que os Administradores apenas podem ser citados ou notificados de factos tributários atenta a sua capacidade de, enquanto nomeados pelo Tribunal, assumirem determinadas funções [9]; porém, a este nível o Código do Processo e Procedimento Tributário encontra-se claramente desconforme com o CIRE e nesse sentido tem de ser modificado já que resulta expressamente dos n.ºs 1 e 4 do art.º 81.º do CIRE aprovado pelo Decreto-Lei n.º 5372004, de 18 de Março que a dissolução da sociedade apenas transfere para os Administradores da Insolvência os poderes de administração e de disposição dos bens da devedora [10].

Aliás, tal sucedia igualmente no regime anteriormente ditado pelo CPEREF já que do art.º 147.º deste último diploma resultava que o Liquidatário Judicial apenas assumia a representação da sociedade falida para os efeitos patrimoniais relativos à falência [11].

O que se pretende deixar determinado é que a empresa, declarada insolvente, não deixa de ser representada neste processo, para efeitos tributários, pelo seu legal representante E NÃO pelo Administrador da Insolvência, princípio que releva claramente do disposto no art.º 82.º, n.º 1 do CIRE [12].

É este, ainda, o princípio que se encontra a ser sistematicamente prosseguido pelos Tribunais portugueses.

 

DESPACHO do M.mo Juiz no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Amarante datado de 26.02.2010

 " Fls 271 e seguintes: Como é óbvio, o serviço de Finanças, deste concelho ou de qualquer outro, não se pode sobrepor à lei - que no caso é o Código da Insolvência e Recuperação de Empresa.

Significa isto que uma sociedade declarada insolvente vai entrar em fase de liquidação, mas esta liquidação será judicial, não administrativa ou fiscal - são situações diferentes.

A entidade que dirige, trata e representa a administração da massa insolvente é a Administradora da insolvência, com os poderes que lhe são  mencionado diploma legal, e variados artigos.

Por conseguinte, não pode a Administração Fiscal exigir aquilo que o Código da Insolvência e Recuperação de Empresas não exige, nem levantar obstáculos ao cabal desempenho das funções do Sr AI. Acresce que o Sr AI, enquanto legal representante da massa insolvente, fica mandatado para a representar e praticar uma série de actos, de acordo com os normativos do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas e diplomas conexos, onde está regulada uma parte dessa actividade.

E como representante da massa insolvente, tem direito a ter um domicílio profissional, que pode não coincidir de todo com o domicílio pessoal. A Administração Fiscal não pode impor à Sra. AI, só porque se trata de uma pessoa individual e contribuinte, que a sua morada seja a que consta na base de dados das Finanças, enquanto contribuinte. Trata-se de uma verdadeira imposição contra legem e ofensiva da reserva da vida privada de cada cidadão, que só pode ser posta em causa por despacho devidamente fundamentado por Magistrado Judicial( e não por mero despacho arbitrário, sem qualquer fundamento e administrativo). "

 

 PRONÚNCIA do Digno Procurador da República junto do TAF do Porto datada de 28.01.2010 e que, destarte reportar-se ao CPEREF, não deixa de ter equivalência integral ao CIRE:

 "...II Factos relevantes

À Sociedade executada designada "sociedade em liquidação" foi instaurada a execução fiscal 08-06-2007.

A sociedade em causa foi declarada falida em 15-11-2002, conforme alega a liquidatária judicial.

A partir dessa data , nos termos do artigo 147º nr 1 e 148º nr 1 do CPEREF, aplicáveis tendo em conta a data da falência, verifica-se o encerramento dos livros do falido, passando os bens a integrar a massa falida.

A liquidação da massa falida obedece aos preceitos consignados naquele diploma, designadamente, os artigos 179º e segs.

Isto é , o regime de liquidação da sociedade falida é específico, não se aplicando as regras das sociedades em liquidação, estabelecidas no Cód. das Sociedades Comerciais.

Visto que se verifica o encerramento dos livros e cessação total da actividade, é absurdo que, posteriormente, à data da declaração da falência exista tributação de IVA e obrigatoriamente a entrega de declarações periódicas.

A invocação dos artigos 109º e 83º do CIRC, não tem qualquer fundamento no caso presente.

Ocorre ainda perguntar, quem pagaria a dívida do IVA?

A massa falida não poderia ser certamente, porquanto as dívidas da massa falida são pagas em conformidade com prévia reclamação de créditos e respectiva graduação na sentença de verificação (artigo 188º, nr 3 do CPEREF).

Seria então a liquidatária? Absurdo.

Sem mais, somos do parecer que a presente oposição é procedente, devendo a mesma ser extinta, por ilegitimidade da pessoa citada."


De igual modo se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo - cfr. ACÓRDÃO do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 09.02.2011 e que, destarte reportar-se às infracções fiscais, apresenta fundamentação aplicável ao presente caso;

SUMÁRIO:

A declaração de insolvência constitui um dos fundamentos da dissolução das sociedades e essa dissolução equivale à morte do infractor, de harmonia com o disposto nos artigos 61.º e 62.º do RGIT e artigo 176.º, nº 2, alínea a) do CPPT, daí decorrendo a extinção da obrigação do pagamento de coimas e da execução fiscal instaurada tendente à sua cobrança coerciva.

 

Bem como o Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que dispôs que:

"...Dela resultando que para além de a falência ter sido decretada já foi dado destino legal aos bens que integravam a massa falida, tendo a mesma sido considerada insuficiente para a assumpção e ressarcimento das suas obrigações.

E declarada em falhas a execução fiscal, a mesma só poderá prosseguir caso ocorra conhecimento da existência de outros bens penhoráveis pertencentes ao executado, seus sucessores ou outros responsáveis, nos termos previstos nos artigos 272º a 274º do CPPT, situação ainda não verificada de acordo co o OEF.

inexistindo fundamentos imediatos para o prosseguimento da execução perde igualmente o objecto a presente oposição, tornando-se inútil a prática de quaisquer actos processuais num momento em que nem sequer tinga sido proferido despacho liminar.

Devendo a Fazendo Pública ser responsável pelas custas processuais, devidas pela pela presente oposição de acordo com a não sustação imediata do processo de execução fiscal após a sua instauração, conforme assumido pelo OEF, e de acordo com a parte final do artigo 180º nr 1 do CPPT.

Pelo que julgo extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide (artigo 287º, alínea e) do Código de Processo Civil(CPC) aplicável por força do artigo 2º, alínea e) do CPPT).

Custas pela Fazenda Pública, no mínimo legal, nos termos do artigo 450º nr 3 do CPC

Aveiro, 7 de Fevereiro de 2001

O Juiz de Direito

Paulo Alhinho "

 

 E também o M.mo Juiz do Tribunal Judicial da Lousã, esclarecedoramente despachou que:

 "... Estando o regime da administradora da insolvência definido no CIRE e Portarias com esta atinentes, é este que define com precisão os seus direitos e deveres que não se confundem com os órgãos sociais de uma qualquer sociedade, não podendo ter a qualidade de representante legal conforme parece resulltar do entendimento das finanças. A ser aceite tal entendimento estaríamos perante um grave e injustificado atropelo a todo o regime legal instituído do administrador da insolvência, que em última análise inviabilizaria a própria figura do administrador de insolvência.

Por outro lado, a situação de insolvência de uma sociedade acarreta para esta uma total exclusão do comércio jurídico quando não existe qualquer plano de insolvência como ocorre no caso em apreço. Neste plano, considerar que a sociedade ainda é sujeito passivo para efeitos fiscais por forma a ser obrigada à apresentação das respectivas declarações fiscais é não atender ao regime legal que rege esta situação o que seria uma clara violação da lei que não é aceitável.

Nestes termos, deferindo-se o requerido pela adminmistradora oficie conforme e para os efeitos requeridos.

Lousã. 16.4.2011 "

 

 Por isso, quer essa entidade, quer qualquer outro posto da Administração Fiscal, não se pode sobrepor à lei, in casu, o CIRE, tal significando que uma sociedade declarada insolvente entra numa fase de liquidação judicial e não administrativa ou fiscal, razão pela qual não pode a Administração Fiscal exigir o que o CIRE não exige, ou levantar obstáculos ao adequado desempenho das funções dos Administradores baseado unicamente numa Circular de consumo interno que se encontra no mais rasteiro patamar da hierarquia das leis e das normas.

Se tal fosse possível revelar-se-ia manifestamente desproporcional que o processo de insolvência fosse colocado em pé de igualdade com a actividade fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, mais a mais privilegiados, sem atender à particular condição dos demais credores e da insolvência, fazendo tábua rasa da certeza jurídica de que, em caso de declaração de insolvência, as normas fiscais cedem perante a prevalência das normas que regulam o processo de insolvência .

Qualquer procedimento de reversão de dívidas fiscais da insolvente em direcção aos Administradores da Insolvência constituirá sempre um acto ABSURDO e ILEGAL assim como constitui uma violação de princípios fundamentais da relação tributária, designadamente, O princípio do PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO, PRINCÍPIO DA DECISÃO, PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO e da BOA FÉ, previstos nos art.ºs 55.º, 56.º e 59.º, n.ºs 1 a 3 da Lei Geral Tributária;

Na realidade, aos Administradores da Insolvência não pode ser imputada a reversão fiscal, qualquer ilícito contra-ordenacional ou qualquer obrigação fiscal declarativa por não exercerem qualquer GERÊNCIA da empresa insolvente;

Nesta óptica, os Administradores da Insolvência são parte manifestamente ilegítima para serem demandados nos processos de execução propostos sob a forma subsidiária. De igual modo, não poderá ser assacada responsabilidade criminal aos Administradores da Insolvência, já que estes NÃO SÃO GERENTES, NEM NUNCA EXERCERAM FUNÇÕES DE GERÊNCIA NAS ALUDIDAS SOCIEDADES, NEM ANTES, NEM DEPOIS DA SUA NOMEAÇÃO.

Aliás, fazer impender sobre os Administradores da Insolvência as obrigações, deveres e responsabilidades que decorrem exclusivamente de actos de gerência que não incumbem a estes é manifestamente ilícito, ilegal e abusivo.

Tal decorre da certeza de que, no regime do art.º 24.° da Lei Geral Tributária consagra-se não só que a gerência de facto é requisito essencial da efectivação da responsabilidade subsidiária como o credor tributário terá que provar que o executado tem a qualidade de gerente ou administrador no período a que respeitam as dívidas fiscais.

Mas além de tal falta de previsão normativa e de enquadramento legal, ainda e sempre se verifica a inexistência de lucro tributável, já que o art.° 17.° n.° l do CIRC estabelece que uma das componentes do lucro tributável é o resultado líquido do exercício expresso na contabilidade, sendo este resultado uma síntese de elementos positivos (proveitos ou ganhos) e elementos negativos (custos ou perdas), razão pela qual o que releva como pressuposto básico da tributação do rendimento da pessoa colectiva é a real natureza da actividade exercida pelo sujeito passivo de IRC, incidindo este imposto sobre os lucros das sociedades comerciais que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola[13] .

Neste contexto o pressuposto ou razão da existência de tal tributação, é a prática de uma actividade bem caracterizada geradora de rendimento, sendo da conjugação desse facto que a lei faz depender o surgimento da relação jurídica do imposto; é que o lucro, na definição legal contida no art.º 3.º, n.º 2 do CIRC consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas no CIRC, pelo que é abrangente de todos e quaisquer ganhos que traduzam um acréscimo de valor patrimonial e não apenas o fluxo regular de rendimentos ligados às categorias tradicionais da distribuição funcional;

No caso das empresas, a sua capacidade contributiva é, na verdade, revelada fundamentalmente pelo seu lucro real, por opção legal e constitucional[14], pelo que, nesta óptica a pretensão da Administração Fiscal em considerar existentes custos e proveitos obtidos ou incorridos em determinado ano ou exercício económico, constitui violação do princípio da tributação do lucro real, porque se não foram declarados pela contribuinte, num determinado ano ou exercício, todos os proveitos e lucros a ele economicamente imputáveis o lucro que vier a apurar não pode, naturalmente, corresponder ao lucro real desse ano ou exercício.

Ora, com a declaração da insolvência e NÃO EXISTINDO actividade da sociedade insolvente, não há volume de negócios algum, razão pela qual a consequência prática é a de não se dever considerar valores a título de proveitos e/ou de encargos suportados pela devedora;

As massas insolventes provam facilmente que, nos períodos de exercício subsequentes à declaração da insolvência, não têm qualquer actividade e, consequentemente qualquer lucro susceptível de tributação em sede de IRC razão pela qual, inexistindo rendimento tributável - leia-se, lucro ou facto tributário -, a liquidação, ainda que oficiosa, não pode manter-se na ordem jurídica; neste contexto, qualquer exigência de declaração fiscal ou posterior liquidação oficiosa de tributos por parte da máquina fiscal não podem subsistir já que, demonstrada a inexistência de facto tributário, não pode manter-se uma situação tributária com base em matéria colectável que se demonstra não ser real, sob pena de violação do princípio contido no artigo 104.°, n.º 2 da CRPortuguesa.

O mesmo sucede em sede de IVA, na certeza de que a haver transmissões sujeitas a IVA, as mesmas são liquidadas através de guia para o efeito.

De facto, a pretensão da Administração Fiscal de fazer comportar como dívida da Massa Insolvente os valores deduzidos em sede de IVA, pelos credores em função do disposto na alínea b) do n.º 7 do art.º 78.º do CIVA, não tem qualquer fundamento legal.

O art.º 51.º do CIRE [15] define claramente quais são as dívidas da massa, não sendo tais valores enquadráveis e nenhuma das alíneas desse normativo, desde logo, por força do que resulta supra aduzido.

Dito isto, e porque não subsiste qualquer obrigação declarativa por parte do Administrador da Insolvência, nomeadamente em data posterior à sua nomeação, a questão coloca-se essencialmente ao nível da entrega das declarações fiscais de ALTERAÇÕES EM SEDE DE IVA e IRC. Existe tal obrigação? Entende-se que não .

No que toca à declaração de alterações e embora comungue e defensa o entendimento de que esta deve ser apresentada pelos Administradores nos 15 dias posteriores à notificação da declaração da insolvência e da nomeação do AI e, posteriormente, cessação – após o encerramento do processo de insolvência - nos termos dos art.ºs 109.º, n.º 1, alínea c) e 110.º, n.ºs 5 e 6 do CIRC, o certo é que tal obrigação é da competência oficiosa da Administração Fiscal pelo menos desde a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 122/2009 de 21 de Maio[16], encontrando-se os Administradores da Insolvência dispensados da entrega de tal elemento declarativo por se referir a facto que, nos termos do Código do Registo Comercial e no artigo 38.º, n.º 2, alínea b) do CIRE, têm de ser levados obrigatoriamente a registo.

Na parcela das declarações anuais de IRC e a partir do conhecimento da declaração da insolvência da empresa com o registo informático do facto nos termos supra expostos ou, até, pela notificação realizada nos termos do disposto no art.º 181.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário a Administração Fiscal não detém legitimidade para exigir da massa insolvente, maxime, dos Administradores da Insolvência, a apresentação das declarações periódicas de rendimentos através da aplicação do disposto no n.º 6, alínea a) do art.º 109.º do CIRC;

Igual raciocínio legal se realiza relativamente à apresentação das declarações periódicas de IVA, encontrando-se os Administradores da Insolvência dispensados da sua apresentação ou por força da formulação da declaração de cessação de actividade em IVA permitida pelo art.º 33.º, n.º 1, alínea b) do CIVA ou através da actuação oficiosa do Fisco nos termos do disposto no art.º 33.º, n.º 2, parte final do mesmo diploma [17].

As questões supra enunciadas conduzem à certeza de que aos Administradores da Insolvência não só não pode ser assacada a responsabilidade pela prossecução da actividade contabilística da empresa insolvente como, muito menos, podem ser considerados subsidiariamente responsáveis pelas dívidas fiscais das suas administradas em período pré-declaração da insolvência.

E se entendemos que se torna imperiosa uma adequação das leis tributárias ao regime especial do processo falimentar, menos certo não é que encontramos no actual ordenamento jurídico os mecanismos mínimos para a percepção do problema nos termos aqui expostos. Para tal bastará o respeito pelas leis da República e a admissão da sobrelevação do regime especial do CIRE aos instrumentos processuais tributários: circulares equiparadas aos regulamentos, as quais constituem normas jurídicas hierarquicamente inferiores às leis e Decretos-Lei e que não podem sobrepor-se a estes. Tais circulares são deliberadamente tergiversadas em abono de uma entidade credora em detrimento do princípio da igualdade que deve assistir ao processo de insolvência.

Por tudo isto, a verdade é que vão surgindo decisões favoráveis aos Administradores da Insolvência, quer proferidas pelos Tribunais Administrativos e Fiscais (v. g. as já citadas supra) quer das próprias repartições de finanças quer do próprio Juiz do processo de Insolvência, ora no sentido de afastar a responsabilidade subsidiária dos Administradores da Insolvência, ora no sentido de excluir o cumprimento das obrigações tributárias (máxima apresentação de declarações) e por fim no sentido de ser o próprio tribunal (da Insolvência) – a ordenar a cessação oficiosa de actividade para efeitos de IVA e IRC.

Cumpre finalmente esclarecer que, em face das informações supra citadas fica claro que falece qualquer legitimidade às pretensões da Administração Fiscal. Esclarecidas eventuais dúvidas que de boa-fé se possa admitir terem existido na administração tributária, qualquer outra tomada de posição por parte dos representantes da administração fiscal e signatários de tais despachos, sejam eles de reversão fiscal, de elaboração de processo-crime e/ou contra-ordenacional ou em função da tomada de outra posição que ponha em causa a honradez e diligência do Administrador da Insolvência será alvo de OBJECTO DOS RESPECTIVOS MECANISMOS JUDICIAIS, CÍVEIS E/OU CRIMINAIS (SE FOR O CASO), no sentido de responsabilizar os agentes (director de finanças, chefes de finanças, chefe de divisão ou qualquer outro signatário) que, por força das suas funções, ponham em causa o trabalho e provoquem prejuízos, patrimoniais e morais, ao Administrador da Insolvência.

Na expectativa de ter gerado algum esclarecimento quanto a esta matéria e de se evitar futuras situações análogas, subscrevo-me,

 

Com os melhores cumprimentos,

  O ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA,

 

(Inácio Peres)



[1]

Coloca-se agora a questão de que as circulares da administração pública não podem sobrepôr-se à lei, não sendo, sequer, actos nornativos vinculativos e com eficácia externa, tal como o decidiu recentemente o Tribunal Constitucional  no Acordão 583/2009 publicado no DR II série, 56, de 22.03.2010

O administrado só as acata se e enquanto lhe convier, pelas mesmas razões que justificam que possa invocar informações individuais vinculativas que o favoreçam (artigo 59.º, n.º 3, alínea e) e artigo 68.º da LGT).

Consequentemente, faltando –lhes força vinculativa heterónoma para os particulares e não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam, as prescrições contidas nas “circulares” da Administração Tributária não constituem normas …”

[2]

Artigo 146.º

Regras gerais

1 – Salvo quando a lei disponha de forma diversa, a sociedade dissolvida entra imediatamente em liquidação, nos termos dos artigos seguintes do presente capítulo, aplicando-se ainda, nos casos de insolvência e nos casos expressamente previstos na lei de liquidação judicial, o disposto nas respectivas leis de processo.

[3]

Artigo 146.º

Regras gerais

2 – A sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e, salvo quando outra coisa resulte das disposições subsequentes ou da modalidade da liquidação, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas

 

[4]

Artigos 132.º e seguintes do CPEREF para os LJ e Artigos 52.º a 65.º do CIRE  e Lei n.º 32/2004 para os AI

 

[5]

Artigos 132.º e seguintes do CPEREF para os LJ e Artigos 52.º a 65.º do CIRE  e Lei n.º 32/2004 para os AI

 

[6]

ARTIGO 1.º

Finalidade do processo de insolvência

O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência, que nomeadamente se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente.

ARTIGO 46.º

Conceito de massa insolvente

1 - A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.

 

[7]

Artigos 159.º  a 161.º do CPPTributário

[8]

Artigo 181º

Deveres tributários do liquidatário judicial da falência

1 - Declarada a falência, o liquidatário judicial requererá, no prazo de 10 dias a contar da notificação da sentença, a citação pessoal dos chefes dos serviços periféricos locais da área do domicílio fiscal do falido ou onde possua bens ou onde exista qualquer estabelecimento comercial ou industrial que lhe pertença, para, no prazo de 15 dias, remeterem certidão das dívidas do falido à Fazenda Pública, aplicando-se o disposto nos nºs 2, 3 e 4 do artigo 80º do presente Código.

2 - No prazo de 10 dias, a contar da notificação da sentença que tiver declarado a falência ou da citação que lhe tenha sido feita em processo de execução fiscal, requererá o liquidatário judicial, sob pena de incorrer em responsabilidade subsidiária, a avocação dos processos em que o falido seja executado ou responsável e que se encontrem pendentes nos órgãos da execução fiscal do seu domicílio, e daqueles onde tenha bens ou exerça comércio ou indústria, a fim de serem apensados ao processo de falência.

 

[9]

Artigos 41.º do CSComerciais e 156.º.º do CPPTributário

 

[10]

ARTIGO 81.º

Transferência dos poderes de administração e disposição

1 - Sem prejuízo do disposto no título X, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.

2 - Ao devedor fica interdita a cessão de rendimentos ou a alienação de bens futuros susceptíveis de penhora, qualquer que seja a sua natureza, mesmo tratando-se de rendimentos que obtenha ou de bens que adquira posteriormente ao encerramento do processo.

3 - Não são aplicáveis ao administrador da insolvência limitações ao poder de disposição do devedor estabelecidas por decisão judicial ou administrativa, ou impostas por lei apenas em favor de pessoas determinadas.

4 - O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência.

 

[11]

cfr., para este entendimento, Luis Carvalho Fernandes e João Labareda, in, Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência Anotado, 2.ª edição, Quid Júris, pp. 372 e 373

Igualmente o STJustiça se pronunciou já neste sentido, relevando-se os termos do Acordão proferido em 15.03.2007 no Processo n.º 7B436 e que com as devidas ressalvas se aplicará às sociedades comerciais e seus representantes legais,

 “ ( … )

O falido não perde o poder de disposição de todo e qualquer bem, já que conserva essas faculdades relativamente aos bens estranhos à falência, ou seja, os bens que não pertencem à massa falida, trate-se dos seus bens ou dos bens de terceiro.

Como não fica impedido de praticar todo e qualquer acto jurídico.

Esta solução decorre do citado art. 147.º, n.º 1, na medida em que priva o falido exclusivamente do seu poder de administração e de disposição dos seus bens presentes e futuros, do art. 147.º, n.º 2, resultando, a contrario, que não tem o poder de representação para efeitos pessoais, e dos artigos 132.º e seguintes, que conferem ao liquidatário judicial a faculdade de praticar actos de administração e de disposição.

( … ) “

 

[12]

ARTIGO 82.º

Efeitos sobre os administradores e outras pessoas

1 - Os órgãos sociais do devedor mantêm-se em funcionamento após a declaração de insolvência, mas os seus titulares não serão remunerados, salvo no caso previsto no artigo 227.º, podendo renunciar aos cargos com efeitos imediatos.

2 - Durante a pendência do processo de insolvência, o administrador da insolvência tem exclusiva legitimidade para propor e fazer seguir:

a) As acções de responsabilidade que legalmente couberem, em favor do próprio devedor, contra os fundadores, administradores de direito e de facto, membros do órgão de fiscalização do devedor e sócios, associados ou membros, independentemente do acordo do devedor ou dos seus órgãos sociais, sócios, associados ou membros;

b) As acções destinadas à indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente, tanto anteriormente como posteriormente à declaração de insolvência;

c) As acções contra os responsáveis legais pelas dívidas do insolvente.

 

 [13]

Artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do CIRC

 

[14]

N.° 2 do artigo °104º da CRPortuguesa / anterior n.° 2 do artigo 107.º

[15] Artigo 51.º

Dívidas da massa insolvente

1 - Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código:

a) As custas do processo de insolvência;

b) As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores;

c) As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente;

d) As dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções;

e) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência;

f) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração;

g) Qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objecto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório;

h) As dívidas constituídas por actos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes;

i) As dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente;

j) A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93.º

2 - Os créditos correspondentes a dívidas da massa involvente e os titulares desses créditos são neste Código designados, respectivamente, por créditos sobre a massa e credores da massa.

  

[16]

Artigo 2.º

Alteração ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado

O artigo 32.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 394 B/84, de 26 de Dezembro, passa a ter a seguinte redacção:

«Artigo 32.º

[…]

1 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

2 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

3 — O contribuinte fica dispensado da entrega da declaração mencionada no n.º 1 sempre que as alterações em causa sejam de factos sujeitos a registo na conservatória do registo comercial e a entidades inscritas no ficheiro central de pessoas colectivas que não estejam sujeitas no registo comercial.»

 

Artigo 4.º

Alteração ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas

O artigo 110.º (actual 118.º do CIRC) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto –Lei n.º 442 -B/88, de 30 de Novembro, passa a ter a seguinte redacção:

«Artigo 110.º (actual 118.º do CIRC)

[…]

1 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

2 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

3 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

4 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

5 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

6 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

7 — O contribuinte fica dispensado da entrega da declaração mencionada no n.º 5 sempre que as alterações em causa sejam de factos sujeitos a registo na conservatória do registo comercial e a entidades inscritas no ficheiro central de Pessoas colectivas que não estejam sujeitas no registo comercial.»

 

[17]

Aliás, quer a eventual declaração de cessação da actividade em IVA nos termos do disposto no art.º 33.º, n.º 1, alínea b) do CIVA quer a declaração de cessação em IRC, se realizados pelo Administrador, podem, atenta a informatização do sistema nacional de finanças, ser realizadas verbalmente nos termos do disposto no art.º 119.º, n.º 1 do CIRC (anterior 111.º n.º 1 do CIRC) e 35º, n.º 1 do CIVA (anterior art. 34.º-A, Nº 1 do CIVA) e sem a tipificação documental do art.º 111.º, n.º 3 do CIRC (actual 119.º do CIRC) ou art.º 34.º-A, n.º 3 do CIVA, ou seja, a aposição de vinheta de TOC por a massa não dispor de tal coadjuvação técnica.  "

 

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publicado por gomes98 às 12:50
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