Em regra, perante o CIRE, os credores devem ser tratados de forma semelhante.
É esse, pelo menos, o entendimento do signatário. E parece ser essa a regra que o legislador quis assegurar.
A excepção está, designadamente, na atribuição de privilégio a determinado tipo de créditos destes credores, determinando a sua regularização antes de alguns dos demais, como estabelece o artigo 97º/CIRE. Esta excepção, porém, apenas existe para o caso dos processos de liquidação, já que no caso da continuidade, quando a solução passa pela elaboração de um plano de insolvência, parece não haver mesmo nenhuma diferenciação entre os vários tipos de credores, o seja; todos se submetem, por igual, ao que a maioria vier a aprovar.
Outra distinção que pode enumerar-se relaciona-se com a notificação da sentença conforme artigo 37º/5.
Para além do mais, estes credores deverão ser tratados por igual, ou seja, podendo aceitar ou recusar as propostas, dentro de parâmetros por si definidos. Umas vezes as suas opiniões têm aceitação e a maioria segue-as, outras há em que isso não sucede. Neste último caso, têm que submeter-se às regras da maioria, como qualquer outro credor.
Não pode deixar de ser este o entendimento do CIRE. Doutra forma, mesmo nos casos em que estes credores se encontram em minoria, nunca seria possível deixar de seguir as suas opiniões.
De facto, quando em minoria, estes credores, e em desacordo com a vontade da maioria, consideram que as regras do CIRE não se lhes aplicam, recorrendo, quase sempre, das sentenças homologatórias de planos de insolvência que lhes sejam, no seu entender, desfavoráveis.
Em regra, perdem os recursos interpostos, cumprindo-se, desse modo, um designo do CIRE, que visa, no que se refere às empresas viáveis, a aprovação de planos de insolvência ajustados à realidade e, o mais possível, no interesse de todos.
O Instituto de Segurança Social, IP, por vezes, opõem-se à homologação para si de planos de insolvência, recorrendo ao artigo 216º/1/a, onde se refere que: – “A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano; “
Porém, não basta invocar o preceito. É, sempre, necessário justificar o que se alega, o que não se torna fácil, tratando-se de realizações futuras. Ao contrário, é mais provável que o devedor ou ao administrador da insolvência consigam justificar exactamente o contrário, um vez que as propostas de pagamento se baseiam, normalmente, no resultado de negócios futuros, enquanto a liquidação assenta no resultado da massa insolvente e no critério de repartição dos seus resultados, os quais são, com razoável grau de aproximação conhecidos.
Tal como qualquer outro credor, os credores públicos têm regras que esclarecem como devem relacionar-se com os devedores, os quais definem os limites da sua capacidade de negociação.
No caso da Fazenda Pública, o CPPT e no caso da Segurança Social o decreto 411/91… entre outros.
Estas normas, no entender do signatário, valem como instrumento de gestão para estes dois credores, definindo-lhes os limites, mas não se sobrepõem ao CIRE, que é de aplicação universal.
Naturalmente que estas normas condicionam a possibilidade em poder atingir-se um resultado satisfatório em sede de plano de insolvência, uma vez que estes credores, em regra, são insensíveis às circunstâncias que determinam as propostas apresentadas para viabilizar as empresas devedoras.
Por exemplo, se a demonstração de viabilidade económica e financeira exige, a) um período de carência para o inicio de pagamento das prestações; b) um perdão de juros ou, c) um perdão de capital, tais situações são sempre tidas como impossíveis de considerar, mau grado os restantes credores a elas aderirem e por vezes, face à sua posição minoritária ou de incapacidade negocial, são mesmo obrigados a aceitar.
Normalmente aos credores públicos, têm que ser consideradas condições de regularização da dívida muito mais favoráveis que para os restantes, sob pena do plano não ser aprovado, contrariando os princípios de igualdade entre credores referida no CIRE.
Tais condições, todos sabem, logo à partida, serão impossíveis de suportar, tendo como consequência o elevado grau de insucesso neste tipo acordos, visto que as questões burocráticas prevalecem sobre os aspectos de racionalidade económica/financeira e de justiça entre os credores.
Todavia, a atitude destes dois credores muito raramente é coincidente;
A Fazenda Pública, em regra, apresenta-se muito rígida nas suas posições, não se desviando do preceituado no CPPT, o que não se adequa às exigências da recuperação das empresas, salvo raríssimas excepções, em que é “forçada” a votar favoravelmente, o que, em todo o caso, apenas confirma a regra.
A Segurança Social, pelo contrário, já aceita e promove mesmo soluções mais ajustadas à realidade, predispondo-se a negociar o que melhor se adapte a cada caso concreto, embora sempre dentro de algumas limitações que, por vezes, não permitem a solução ideal e justa.
Falamos, por exemplo, de medidas relativas à venda do estabelecimento a terceiro que o possa viabilizar afastado dos constrangimentos do passivo, ou seja; procuram-se interessados na compra do negócio, incluindo aí, normalmente, os activos e o seu pessoal, ficando o passivo para ser regularizado apenas pelo valor daí resultante.
Esta é a solução mais adequada, quando o problema é, fundamentalmente, financeiro.
Contudo, por vezes, não é suficiente, principalmente, quando os anteriores administradores e/ou gerentes, proprietários do capital ou não, são parte fundamental para o sucesso destas operações, ou seja; quando no acervo do estabelecimento que se quer alienar, estas pessoas são vitais para o sucesso, como, não raro, sucede.
E porquê? Porque os credores públicos, não estão disponíveis para se satisfazerem, como os demais credores, apenas com a contrapartida que advém da venda do estabelecimento. Não abdicam do direito que a Lei lhes confere relativo à reversão para os
Se bem que o espírito do CIRE parece apontar no sentido contrário quando no seu artigo 197º/c/CIRE, refere que: “ O cumprimento do plano exonera o devedor e os responsáveis legais da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes “
Para evitar tal preceituado, os credores públicos exigem uma cláusula que refira exactamente o contrário ou seja; “Para efeitos do artigo 197º/c/CIRE, estabelecesse que o cumprimento do Plano de Insolvência não exonera os responsáveis legais da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes.”
Com esta postura, como bem se compreende, dá-se com uma mão mas, por vezes, tira-se imediatamente com a outra.
É evidente que, nem sempre será ajustado exonerar os responsáveis legais, dado que há situações em que estas figuras não são importantes para o futuro dos projectos e outras haverá em que são mesmos responsáveis por decisões inconvenientes, que podem indiciar e ocasionar a classificação da insolvência como culposa, pelo que, nesses caos, fará sentido a inclusão da cláusula de “não exoneração”.
Deveria, por isso, analisar-se caso a caso, e não excluir, liminarmente, esta variável da negociação.
A este respeito deve lembrar-se que há muito que a União Europeia debate este assunto, ou seja; as causas e as consequências da insolvência, inclinando-se para a recuperação e reabilitação, sempre que possível, dos empresários/administradores e ou gerentes que passam pela falência.
Fala-se na necessidade do recomeço “reSTARTup” e das vantagens para a economia destes empresários que passaram por experiências negativas, já que, em determinadas circunstâncias, estarão, por certo, melhor prevenidos para enfrentar crises futuras.
Para além dos planos de insolvência com características especiais, designadamente, a venda do estabelecimento, o administrador da insolvência adopta, geralmente, uma postura que conduza à sua aprovação, ajustando-os às condições burocráticas dos credores públicos, pelo que;
quando o montante dos credores públicos é necessário para aprovar o plano, é proposto pelo administrador da insolvência aquilo que as suas regras admitem, independentemente das condicionantes económicas e financeiras do caso, apesar de, a meu ver, tal procedimento[1] ser considerado o menos apropriado.
Porém, quando os credores públicos estão em minoria, o administrador da insolvência está em condições de propor, igualmente para todos, aquilo que se ajusta ao caso. Sendo certo que, nestas circunstâncias, estes credores, votam sempre contra.
Apesar de, por vezes, não se conformarem com a decisão da maioria, recorrendo das sentenças de homologação, o certo é que, em regra, perdem, cumprindo-se assim, mas só nestes casos, o espírito do CIRE.
Sucede que, nos últimos tempos, começaram a surgir muitos processos em que estes credores, felizmente, aparecem em minoria no conjunto dos credores.
Há mesmo, cada vez mais casos, em os credores públicos já não aparecem como credores.
É sinal que, há muito mais consciência por parte dos empresários no sentido de que o pagamento dos impostos e das contribuições para a Segurança Social é, ao contrário daquilo que era habitual, fundamental, quer do ponto de vista da cidadania, quer porque as penalidades são para evitar, assim como também,
é sinal que os devedores estão mesmo, cada vez mais, a recorrer atempadamente ao processo de insolvência, cumprindo, aliás, ao que obriga, e bem, o CIRE.
Finalmente, como se trata de uma audiência exclusiva da Segurança Social, de realçar a sua postura perante os devedores, designadamente, através da criação, recente, de um departamento que visa a busca de soluções mais flexíveis e ajustáveis à realidade, quer no âmbito do processo de insolvência quer fora dele, como é exemplo a criação do NAIVE (núcleo de apoio ao investidor e à viabilização empresarial), com quem o signatário estabeleceu já um protocolo de cooperação.
Luis Gomes
nota: texto apresentado pelo signatário no seminário patrocinado peo IGFSS em Lisboa - CC casapiano, em 09/10/2008
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